Que Vergonha, Rapazes é um hilariante poema (soneto?) de Alexandre O'Neil sobre... bem, sobre esta vidinha à portuguesa que não anda nem desanda por culpa de tudo e mais dumas botas. Não-recomendadíssimo aos puristas da orthographia, que terão uma síncope logo ao primeiro verso ("pràqui"?! T'arrenego, abrenúncio!), muito recomendado a todos os que saibam alguma coisa sobre a língua tal como ela é, bem viva nas bocas dos seus falantes. E em especial a quem tenha sentido de humor, naturalmente.
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Guizos (bib.), de Bruce Holland Rogers, é mais um conto curto fantástico contado, na primeira pessoa, por um sonho. Não um sonho vulgar, daqueles que se sonham incoerentemente à noite e desaparecem mal o sonhador acorda. Mas um sonho que em tempos tinha sido homem, e que fora transformado em sonho pela violência de uma guerra de conquista. Mas esse sonho muda hábitos, costumes, culturas, até línguas, de modo que quando a guerra acaba — se é que chega a acabar algum dia — não se percebe bem quem é conquistador e quem fica conquistado. Mais um conto magnífico, pleno de subtileza, que se socorre do fantástico para fazer pensar em coisas bem concretas do mundo que nos rodeia. Como acontece que ele é bem usado. Muito bom.
O Sr. Magia (bib.) é mais um conto de Steven Bauer, desta feita adaptando um argumento de Joshua Brand e John Falsey. Bastante bom, por sinal. Trata-se de uma história fantástica e melancólica sobre um velho ilusionista que perdeu o jeito e, com ele, o carinho do público. Ganhando a vida em espetáculos quase vazios de assistência numa casa barata, por caridade do dono, o protagonista vê que até isso ameaça fugir-lhe. É então que decide investir em novo material e acaba por comprar um baralho de cartas realmente mágicas, que lhe permitem um derradeiro fulgor de sucesso. Mas nem estas duram para sempre. É uma história muito humana sobre o envelhecimento e a degenerescência e sobre como lidar com eles.
O texto de Bauer parece tratar bem a história em que se baseia e a tradutora até parece não ter cometido argoladas tão grandes como em contos anteriores do livro, de modo que a leitura flui razoavelmente bem. O melhor conto do livro até ao momento.
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Ídolo é um conto curto de John O'Hara, autor americano com quem ainda não tinha tomado contacto. O conto passa-se em Washington e parece descrever apenas uma entrevista entre dois velhos conhecidos dos tempos da faculdade, um deles subsecretário de qualquer coisa, o outro à procura de emprego. Com bons diálogos, é uma história sobre o tráfico de influências nas mais altas esferas, sobre o que se pode e o que não se pode dizer, sobre a hipocrisia. Soa interessante, não é? Pois, mas para mim não foi. O'Hara não tem culpa, que escreveu isto em meados do século XX, mas a verdade é que basta assistir de olhos abertos a um episódio de The West Wing ou, num registo bem diferente, a um do Yes, Minister, para deixar de ter ilusões acerca do que realmente se passa nos corredores do poder. E em comparação este conto sabe a muito, muito pouco. A única coisa que retirei desta leitura foi um rotundo meh.
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VÁRIOS PROJECTOS PARA DOWNLOAD GRATUITO
A ISF é um projecto dedicado quase em exclusivo aos autores não anglófonos. A língua oficial do projecto é o Inglês. Nos bastiadores trabalha uma equipa de 14 pessoas. Nasceu no ano de 2012 e viu o seu primeiro número ser publicado em Junho. Publicou, além de artigos, notícias, contos e entrevistas no seu site oficial, 3 números que foram disponiblizados para download gratuito.
ISF #0 (Junho) com contos de Gerson Lodi-Ribeiro, Aliette De Bodard e Cristian Mihail Teodorescu, artigo de Fábio Fernandes e entrevista de Cristian Tamas à autora Judit Lörinczy. A capa foi da autoria de João Fonseca.
ISF # 1 (Novembro) com contos de Joyce Chng, Rochita Loenen-Ruiz e Marian Truta e artigo de Stanislaw Lem. A capa foi da autoria de Rafael Mendes.
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ISF #2 (Dezembro) com contos de Lavie Tidhar, Ken Liu e Nassau Hedron e entrevista de Cristian Tamas a Rachel Haywood Ferreira. A capa foi da autoria de Tomasz Maronski.
A Dagon apresenta-se como uma fanzine/e-zine de literatura especulativa e pretende publicar autores consagrados no mercado internacional em conjunto com os melhores autores portugueses, bem como poesia, artigos e entrevistas. Depois de um número experimental publicado em Julho de 2009 e de um número publicado em papel dem 2010, a Dagon é agora publicada mensalmente para download gratuito. Em 2012 foram publicados:
Dagon # 2 (Outubro) com contos de Adam Troy-Castro e Ricardo Loureiro, poema de Lawrence Schimmel e artigo de Stanislaw Lem.
dagon 2_outubro_2012_download gratuito
Dagon # 3 (Novembro) com contos de Kij Johnson e Valter Marques.
dagon_3_Novembro_2012_download gratuito
Dagon # 4 (Dezembro) com conto de Joyce Chng e micro-contos de Lavie Tidhar e João Ventura, bem como um artigo de Andrew Liptak.
Dagon_Dezembro_2012 Download Gratuito
O Conto Fantástico assume-se como um fanzine/e-zine dedicado exclusivamente aos contos de autores de língua portuguesa. Foi publicado pela primeira vez em 2010, com um número duplo impresso em papel vendido na rede de lojas Fnac. Neste momento o Conto Fantástico é publicado em versão electrónica, de dois em dois meses, para download gratuito. Em 2012 foi publicado:
Conto Fantástico # 3 (Dezembro) com contos de Álvaro de Sousa Holstein, Marcelina Gama Leandro, Fernando Lobo Pimentel e Vitor Frazão.
conto fantástico 3_dezembro_2012_download gratuito
Conto Fantástico # 1 e # 2 (Junho/Julho de 2010)
conto fantástico 1 e 2 download gratuito
Acreditem, foi uma honra e um prazer editar os vários números apresentados acima! Que venha um 2013 ainda melhor que 2012!
Um grande abraço a todos,
Roberto Mendes
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Ao Perdedor, as Baratas (bib.) é uma noveleta algo estranha de Antonio Luiz M. C. Costa, em parte história alternativa, em parte aventura pulp, em parte utopia política e em parte fantasia kafkiana. Passa-se num mundo alternativo, com um ponto de divergência que nunca fica inteiramente claro mas é antigo, data pelo menos de vários séculos antes dos presentes, tanto o ficcional (que parece situar-se por volta de meados do século XX) como o real. Nesse mundo, a América não se chama assim mas Colômbia — o que, até que o leitor deslinda a diferença das Colômbias, a real e a ficcional, causa alguma confusão — e a sua metade norte não foi colonizada pelos ingleses, mas pelos holandeses. Não é, contudo, aí que se desenrola a história, embora esse facto tenha importância por ser um cidadão da Colômbia do Norte o protagonista da história, e por esse país se encontrar em fase de resvalamento para um regime muito semelhante ao regime nazi da Alemanha da nossa realidade, com todas as implicações que esse facto tem. O protagonista, aliás, não se limita a ser cidadão: é também agente secreto, e tem uma mentalidade muito semelhante à dos nazis. Por seu lado, o Brasil, lugar onde a história se ambienta, é uma república democrática, industrializada e culturalmente integrada, misturando num todo, ainda que não inteiramente pacífico e coeso, as suas heranças índia, portuguesa e africana. O início da história vai encontrar este país em plena campanha eleitoral para umas eleições presidenciais nas quais um candidato comunista (e indigenista) leva vantagem. A tarefa do protagonista é precisamente mudar o rumo da campanha brasileira, impedindo o triunfo da esquerda. Como? Através de um atentado perpetrado por uma arma secreta.
E por aí vai.
Basta esta introdução, que nem chega a falar de muitos outros detalhes importantes para a história, para se perceber que esta noveleta está repleta de conteúdo. Esse, aliás, é o seu maior defeito: não se limita a estar repleta de conteúdo, mas transborda. Tem tanta coisa, é um tal turbilhão de ideias, personagens, ambientação ucrónica, tudo e mais alguma coisa, que o autor se vê obrigado a deixar as personagens mal caracterizadas e a entrecortar a trama com digressões algo longas para situar o leitor na história — e mesmo assim não evita algumas confusões, como no supracitado caso da Colômbia do Norte — enquanto mantém a extensão do texto suficientemente curta para o reduzir a noveleta. O material é simplesmente demasiado. Tudo o que aqui se encontra, explorado de uma forma mais aprofundada, daria para uma novela, e não das mais curtas. Acrescentando-lhe um ou dois arcos de história (ou talvez uns "ramais", umas analepses, uns saltos no tempo, coisas dessas) facilmente se chegaria ao romance. E eu julgo que a história ficaria melhor assim.
Porque não consegui deixar de sentir, ao acabar a leitura, aquela sensação de potencial imenso mas insuficientemente explorado que por vezes sentimos ao lermos ficções curtas que facilmente dariam longas. Porque quis conhecer melhor várias daquelas personagens que fazem aparições fugidias ao longo da trama e até o próprio protagonista, também ele pouco tridimensional. Porque a alternativa histórica me pareceu potencialmente muito rica. Porque, em suma, tudo aquilo me interessou bastante e acabou depressa demais deixando uma sensação de incompletude. Esta poderia ser uma boa novela, até um bom romance. Mas não me parece que seja uma boa noveleta. Sou de opinião que cada história tem um tamanho certo, aquele tamanho que realmente lhe faz justiça, e acho que o desta não é este. Fica a esperança de que o autor um dia o encontre. Porque julgo que a história o merece.
Ah, e Kafka, onde fica? Nas baratas, pois claro. E mais não digo, que isto já vai longo.
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