A Ficção Científica & Fantasia enquanto género cultural (não apenas literário) é desde há muito o mais importante e mais influente, o mais bem sucedido a nível mundial… e também em Portugal. Aqui no Simetria tentamos sempre dar o nosso contributo, necessariamente modesto, à confirmação e à divulgação dessa preponderância, que é expressa habitualmente em três âmbitos fulcrais: a literatura, evidentemente, desde a recuperação de obras fundamentais de um passado mais ou menos distante, com destaque para as estrangeiras, até à apresentação de obras contemporâneas, incluindo portuguesas, de autoria quer individual quer colectiva; a música, nem sempre mencionada, mas que comporta muitos (centenas!) de trabalhos que se inscrevem na mais inspirada FC & F, como se comprova na lista que actualizo anualmente desde 2006; e o cinema, (sétima) arte que congrega e potencia todas as outras (e a ciência e a técnica) para alcançar e superar todos os limites da imaginação, e que produz filmes que podem suscitar também evocativas, retrospectivas, efemérides.
Existe, porém, um outro âmbito em que a Ficção Científica & Fantasia marca frequentemente a sua presença: a publicidade. Efectivamente, exemplos não faltam de anúncios memoráveis e até famosos cujas concepção e realização obedecem indubitavelmente a uma «lógica» inerente à FC & F; mais, casos há de escritores que naquela se especializa(ra)m que foram, são, contratados por grandes companhias para desenvolverem estratégias empresariais como se de narrativas se tratassem. Isto acontece(u) no estrangeiro, em especial, como não podia deixar de ser, nos Estados Unidos da América, e infelizmente não consta que esta tendência já tenha chegado a Portugal, ou que vá chegar em breve…
… Mas o que no nosso país não deixa de existir são anúncios e/ou campanhas publicitárias em que a Ficção Científica e/ou a Fantasia providencia(m) o traço dominante. Como, por exemplo, o recente da aplicação informática (da rede de hipermercados) Continente que mostra Herman José a utilizar um smartphone em cenário e com vestuário inconfundivelmente setecentistas. Foi criado e concretizado por uma equipa da agência Fuel, uma unidade do grupo Havas Portugal, e pode ler-se na memória descritiva da campanha, a nós fornecida pela companhia: «Com a app Cartão Continente, temos todos os descontos e vantagens disponíveis para consulta: cupões, facturas, folhetos, sem papel e sempre à mão. Nada poderia ser mais prático. E tão actual. Tão prático e tão actual que não a usar parece coisa do passado. Este foi o ponto de partida para mais uma campanha da app Cartão Continente, que conta novamente com a presença do Herman José. Desta vez, seguindo o conceito “Não ter a app Cartão Continente é tão século passado”, vemos o Herman José no seu palácio do séc. XVIII, qual rei ou nobre, assistido por um pajem enquanto vê o seu quadro a ser pintado por um artista da época. Ele fala-nos sobre as vantagens de ter a app no seu telemóvel, criando um anacronismo do telemóvel com a época, explorado pela graça natural do Herman.»
A palavra-chave, o conceito básico aqui é, precisamente, «anacronismo», entendido neste caso não como uma desvantagem mas sim como uma vantagem, como que um intensificador, pelo contraste, pelo «choque», das qualidades do produto ou do serviço que se quer publicitar e promover. Neste anúncio estamos assim perante uma realidade alternativa, sub-género sempre fascinante da FC & F. E é difícil, e mesmo impossível, não ver a a afinidade, a semelhança de pressupostos entre este anúncio e o meu romance «Espíritos das Luzes», publicado há dez anos e em que eu re-imaginei figuras históricas, personagens verídicas do século XVIII num outro universo e em que utilizam tecnologias avançadas. É verdade que «les beaux esprits se rencontrent», e, afinal, eu obtive a inspiração inicial para aquele meu livro do desfile, realizado em 1989, que celebrou os 200 anos da Revolução Francesa, concebido pelo publicitário Jean-Paul Goude.